“Os homens aparentam a vida que levam, talvez todos nós aparentemos. Seus rostos e corpos confirmam o trabalho pesado. Todos são esguios, sem um quilinho de gordura a mais. Parecem curtidos pelo sol, de um bronzeado tão profundo, que provavelmente nunca fiquem páldos no inverno. Suas roupas de trabalho são práticas, grosseiras. Eles não se arrumam, apenas se vestem. Portam também uma dignidade natural. Sem dúvida, alguns são espertalhões, insensíveis, cruéis, mas parecem totalmente presentes, abertos, vivos. Faltam dentes a alguns, mas eles riem à vontade, sem constrangimento. Um menino retardado perambula entre eles, sem que cuidem dele e sem que o ignorem.” (sobre as pessoas do campo – no livro SOB O SOL DA TOSCANA)
O trecho fala de algo tão básico na vida e ao mesmo tempo tão fora de uso: naturalidade e simplicidade. O tema me veio à cabeça outro dia no trabalho quando falávamos de Susan Boyle. Depois de assistirmos o vídeo onde ela se apresentava no “Britains Got Talent” e era ridicularizada pelos jurados e público, aparentemente por ser gorda, feia, ter apenas 46 anos e aparentar quase 60, nunca ter casado, não ter namorado e mesmo assim, sorrindo sempre, dizendo-se feliz. O tom de deboche continuou até ela começar a cantar; a voz era sublime, emocionante. De repente todos calaram, pasmos e extasiados. Uma coisa não combinava com a outra. Quem é feio está fadado ao fracasso, quem é feio não pode ser feliz; parecia ser esta a confusa indignação de milhares de pessoas diante da imagem e da voz de Susan Boyle.
Hoje em dia (leia-se final do sec. XX e início deste), muito mais que em outros tempos, estar fora dos padrões ditados pela sociedade é a pior das pragas, principalmente os de beleza e riqueza. Porque naturalidade e simplicidade adquiriram status de errado? Porque vivemos numa louca corrida atrás de uma suposta felicidade que se traduz sempre na posse material e na busca de uma aparência perfeita e artificial?
Uma colega do trabalho ao terminar de ver o vídeo da Susan disse: “nossa! e ela se diz feliz. mas com tão pouco…?”
Qual a medida da felicidade? Muitos de nós crêem ser dinheiro e beleza.
Beleza é fugaz, inevitavelmente ligada à juventude que um dia nos abandonará. A posse material gera mais insatisfação do que prazer, a cada aquisição nos sentimos mais vazios e desejamos consumir mais. O resultado disto tudo é a produção de mais e mais infelicidade à medida que perseguimos seu oposto. Nesta corrida, esquecemos o cultivo diário de nossa espiritualidade, de cuidar do conteúdo da nossa “embalagem”; esquecemos que paz interior não se compra nem está vinculada a uma bela aparência. Vocês podem me achar piegas e previsível, mas a verdade é que relegamos valores simples e tão intrínsecos à nossa natureza em nome de uma corrida vazia e desenfreada rumo à superficialidade.
Resultado?
Uma legião de pessoas “bonitas”, “ricas” e terrivelmente insatisfeitas. Não aquela insatisfação saudável que nos leva ao crescimento, mas aquela doentia e cega que nos tolhe a capacidade de enxergar além das aparências.
( imagem: Operários – Tarsila do Amaral )