Marcou para encontrarem-se no cemitério, lugar melhor não haveria.
Paulo chegou diante do endereço e duvidou. Seria este mesmo o local do encontro? Olhou novamente para o papel em suas mãos e conferiu, rua, número… Sim, estava certo. Teve certo medo de entrar, já era fim de tarde, logo escureceria, mas foi em frente ainda vacilante. “Ao chegar dirija-se à estátua do anjo em mármore branco“, ele lia o papel e olhava em volta andando apressado.
O anjo de mármore olhava para o alto e suas mãos pareciam suplicar. Ela gostava daquela visão, sentia uma atração mórbida por cemitérios, adorava ver o sol morrer entre as capelas esculpidas rodeadas pelo silêncio absoluto. Sim, o lugar era perfeito para por fim àquele relacionamento com Paulo, tudo havia morrido, o amor, o desejo, a paixão… tudo. Imaginar os mortos lhe rondando lhe daria arrepios, ele era um covarde, ia morrer de medo quando tudo escurecesse e apenas sua lanterna iluminasse a imensa escuridão que se instalaria entre eles, além da dos sentidos que já tomara conta de tudo.
Depois de ouvir que tudo morrera e que não o queria mais, Paulo entrou numa profunda depressão, encostou-se ao túmulo e chorou, enquanto ela tomava um vinho tinto barato aos goles pelo gargalo e olhava a lua que nascia completamente amarela por trás do perfil recortado das cruzes. Pensava no quanto sentia-se leve, livre, tranquila; subiu no túmulo e abraçou-se ao anjo fazendo caras e bocas, rindo por dentro… Aquele silêncio sepulcral combinava com seus sentidos naquele momento, apenas os soluços de Paulo e seus repetidos “porquês?” interrompiam em alguns instantes a saborosa sensação de alívio que desfrutava. Cansada de ouvir seus lamentos – ele mais parecia uma carpideira – tapou os ouvidos e saiu perambulando pelas aléias. Paulo absorto em sua infelicidade nada ouvia, apenas sentiu o toque frio sobre seu braço e assustado olhou ao redor. Uma moça linda, muito branca, de longa cabeleira negra olhava-lhe com compaixão querendo saber o que lhe acontecia. Conversaram um pouco ali junto ao anjo e ela confortava carinhosamente suas dores. Paulo a chamou para saírem dali, ela o olhou surpresa, mas ele não deu-lhe tempo de recusar e a levou pela mão… Ela era tão linda, meiga, delicada, suas feições tinham um quê de melancolia e seu jeito compassivo o encantava.
Levou-a a um bar, pediu algo para beber, mas a garota nada quis, enquanto isso um monólogo era iniciado. Paulo falava, falava, falava e ela o olhava com seus olhos tristes carregados de compaixão – tudo que precisava agora. O garçon o olhava de modo estranho e perguntou se tudo estava bem, ele assentiu, o garçon não parecia convencido e falou que ele deveria ir para casa. Paulo não entendia, olhou para a linda cabeleira negra que terminava sobre os braços muito, muito brancos. A moça acariciou suas mãos, “ela deve estar com frio“, ele pensou ao sentir seu toque. Tentou aquecê-la, tocando-a também, mirando-lhe as formas alvas, deslizando as mãos pelos seus braços magros… Foi quando percebeu os pulsos cortados e o sangue seco que manchava sua pele.